Esta matéria foi publicada na Revista Lida de Abril de 2006
Você não imagina o risco de ter soja armazenda…
No artigo anterior, foi apresentada uma visão diferente, de como acontece a dinâmica dos preços nos mercados, que exige uma atuação mais arrojada dos produtores rurais, frente à comercialização de seus produtos. Há anos os produtores vêm melhorando suas técnicas de manejo, a qualidade genética do rebanho, ou da lavoura, ou o controle de seus custos produtivos, mas não têm tido a devida preocupação com o aspecto do preço dos produtos. Quem manda no preço de venda da sua produção não é o governo, que pode estocar, comprar ou vender os produtos ou o dólar para tentar melhorar a cotação; o mundo é globalizado, e o valor destes produtos ou desta moeda oscilam única e exclusivamente devido à variação da oferta e demanda real pelo produto, ou no caso do dólar, pela moeda.
Nesta edição é mostrada aos leitores uma ferramenta centenária, que pode ser utilizada para se proteger desta realidade (que é inevitável), melhorando os resultados sistematicamente. Não é uma solução para ganhar dinheiro rápido, mas é algo que irá mudar consideravelmente seus retornos, e o nível de risco do negócio. Esta ferramenta é muito difundida nos Estados Unidos e na Europa, mas no Brasil ainda carrega uma grande carga de preconceito e descaso. Não estamos falando de nenhuma técnica de produção, de redução de custos ou de aumento de produtividade. Estes são requisitos para qualquer produtor rural que queira continuar neste complexo ramo, ano após ano. A ferramenta citada são os contratos futuros agropecuários.
Poderíamos traçar as origens dos contratos futuros até o tempo dos Gregos Antigos, ou aprimorados pelos fenícios, mas a história dos mercados futuros como hoje o conhecemos começou em Chicago, nos Estados Unidos, no começo do século XIX. A cidade dos ventos é localizada na base dos Grandes Lagos, próxima à grandes latifúndios e criatórios de gado do meio-oeste americano, dando à cidade uma vocação para o transporte, distribuição e comercialização da produção agrícola.
Excedentes produtivos, ou a falta destes produtos agrícolas, causava (e causa) flutuações caóticas nos preços. Isso levou ao desenvolvimento de um mercado que permitia produtores, empresas processadoras e também especuladores, comercializar os produtos através de contratos a priori, ou com pagamento adiantado, para remover o risco de mudanças de preço adversas.
Em 1948, foi formada a primeira bolsa de mercados futuros do mundo, a Chicago Board of Trade (CBOT). A comercialização era feita originalmente através de contratos firmados antes da entrega do produto, e o primeiro contrato (de milho), foi escrito em 13 de março de 1851. Em 1865, foram introduzidos os contratos futuros padronizados, também chamados, commodities.
E o que são exatamente commodities? É um termo muito utilizado, mas na maioria das vezes, mesmo quem utiliza o termo desconhece a real natureza ou o significado da palavra inglesa. Commodity é algo que tem um valor, é de qualidade e especificação uniforme, e é produzido em grandes quantidades, por vários produtores diferentes, sendo que os itens produzidos por cada um dos participantes é considerado equivalente. É um contrato, e seus padrões estabelecidos que definem o commodity, e não qualquer qualidade inerente ao produto em si.
Mas como eu, sendo um produtor rural, posso utilizar este conhecimento a meu favor? Para quem não observou ainda, a intenção é proteção de preços. Alguém pode questionar da proteção (ou hedge) de preços, pelo fato de que em alguns anos, existem altas exorbitantes nestes, permitindo ganhos astronômicos. E aqui caímos novamente na nova visão sobre a dinâmica dos preços, e partindo do pressuposto de que não podemos prever os preços (embora diariamente recebemos relatórios falando sobre a alta nos preços), a eliminação sistemática do risco traz um ganho efetivo para o negócio.
Os contratos futuros podem ser utilizados para os produtores rurais para fazer entrega física do produto para a bolsa, embora isso aconteça apenas em 2% dos contratos negociados. A principal vantagem de utilizar os contratos é proteger-se da oscilação. Você pode, por exemplo, fazer um hedge do preço da soja, para proteger-se da variação do preço, antes mesmo de começar o plantio, e se você conhecer bem seus custos produtivos, já sabe de início quanto vai ganhar nesta safra. É desnecessário comentar sobre os benefícios deste tipo de conhecimento.
Vamos exemplificar o uso da ferramenta, de acordo com o caso acima. Um produtor de soja tinha 200 hectares disponíveis para o cultivo da soja, em agosto de 2005. Considerando que seu custo de produção orçado estava em R$29,00 por hectare e sua produtividade média era de 40 sacas por hectare, a previsão era de que, em março de 2006 ele tivesse 8.000 sacas de 60 kg de soja para comercializar. Buscando o preço de venda local na época, este estava em R$ 28,89. No mercado futuro, cotado em dólar na BM&F (Bolsa Mercadoria & Futuros, a bolsa agropecuária do Brasil), o preço da soja para março de 2006 era de U$ 15,00, o dólar era R$ 2,55, fechando um valor final em R$ 38,25. Se o agricultor realizasse a trava da soja, e também do dólar, já que o preço de venda é vinculado ao dólar, ao final de 8 meses, fecharia um lucro operacional de 31,89%. Já se fizesse como outros produtores, e deixasse o preço livre para oscilar, neste exemplo venderia a soja a R$ 20,50, com um prejuízo operacional de 29,31% (vale ainda lembrar das despesas administrativas e salários dos gerentes de escritório). Para este exemplo, o produtor precisaria depositar uma margem de cerca de R$ 45 mil para garantir a operação (esta margem garante que o produtor não será lesado, mesmo se os preços despencarem). Esta margem pode ser, por exemplo, um CDB pré-fixado que renderia em 8 meses cerca de 8,2%, ou R$ 3.700,00.
É desnecessário citar mais exemplos, pois também cada produtor, cada cultura, cada época do ano, tem uma realidade bastante diferente, e é importante que exista uma preocupação com o aspecto essencial da produção agropecuária, a dinâmica dos preços.
O importante é compreender a questão do risco, e como eliminá-lo. Muitos produtores preferem apenas destacar o caso Naji Nahas (que causou uma quebra na bolsa no final dos anos 80), e utilizá-lo como motivo para não aderir aos contratos futuros. Mas a situação atual, e temos uma crise de preços que está para completar 2 anos de vida como prova, não permite mais que amadores continuem no mercado.
Se alguém diz que a bolsa é algo arriscado, provavelmente não faz idéia do risco que está correndo, quando deixa o grão armazenado no silo, ou o gado no pasto, estando livre à oscilação da oferta e demanda. Quem sabe muito disso são os pecuaristas, que mesmo vacinando seu gado corretamente contra a febre aftosa, sabem muito bem o tamanho do tombo em suas margens de lucro nos últimos meses. Os pecuaristas que conhecem os contratos futuros agropecuários, mas não aderiram, devem estar pensando: “Antes eu tivesse fechado uns contratinhos…”, ainda mais quando ficam sabendo de colegas do interior de São Paulo que estão vendendo um gado muitas vezes de menor qualidade, por cerca de R$ 72,00.
Lembre que você tem que sempre observar se não existe uma influência do dólar no preço do seu produto (sim, quase todos sofrem deste “mal”), pois não adiantaria nada, no exemplo citado, você ter travado a soja a U$ 15,00, com o dólar caindo de R$ 2,55 para R$ 2,16.
Para mais informações sobre como fazer um hedge (o termo para a “trava” de preços), consulte uma corretora em seu estado, ou um consultor de mercado, mas lembre de esclarecer para ele que você entende a dinâmica dos preços agropecuários (se não entende, um bom começo é o artigo da última edição da Revista Lida, citado no começo deste texto).
eh… 10x